Em diferentes momentos de nossa vida, a escolha dos princípios e valores a serem seguidos influenciam o indivíduo e a sociedade
As notícias diárias e as atitudes de cada indivíduo em nossa sociedade refletem valores, princípios e escolhas, neste caso, a opção pelo melhor caminho a seguir. O cenário político e social do Brasil, por exemplo, demonstra o quanto o debate de ideias sobre a Ética e a Moral é urgente na sociedade. E quando analisamos o contexto do país, há um conceito que está enraizado, que é o chamado jeitinho brasileiro.
Os atos em nosso cotidiano, desde o pagamento do chamado “café” para não ser multado no trânsito, até os casos de corrupção na política estão tão comuns que deixamos, muitas vezes, de os associarmos aos princípios éticos e morais. Mas e o que significa ética e moral? Começamos por tornar mais clara a definição destes termos, que muitas vezes são relacionados e considerados como tendo o mesmo conceito.
Ética e Moral
Segundo o filósofo grego Aristóteles, “somos o resultado de nossas escolhas”. Todos nós já nos deparamos, em algum momento da vida, com a necessidade de fazermos escolhas entre dois caminhos. Para Aristóteles, a ética é caracterizada pela finalidade a ser atingida. A ética seria, portanto, um tipo de postura que pressupõe liberdade de escolha frente às diferentes situações com as quais nos deparamos e a forma como estabelecemos relações sociais.
A Ética é um dos campos de estudos da Filosofia, enquanto que a moral é um dos objetos de estudo da Ética. Mas há diferenças entre os dois termos. A moral (cujo termo deriva do latim “mores”, que significa costume) tem origem em determinado grupo social, com traços culturais e valores próprios. Por isso se diz que a moral é específica, pois está relacionada e estabelecida em um determinado grupo. Já a ética é a parte da filosofia que estuda a moral, com reflexão acerca das regras morais estabelecidas, mas, neste caso, não apenas aplicada a um grupo específico, ou seja, tudo o que fere valores absolutos como a dignidade, o respeito ao próximo, mesmo que aceito em um grupo específico, não é considerado ético.
Em síntese, em uma sociedade a moral determina os valores constituídos e baseados no local em que o grupo de indivíduos está inserido, moral essa que pode ser diferente em outro grupo de pessoas. Já a ética questiona estes comportamentos morais, tratando de princípios em nível maior, do coletivo humano, como um todo, o que leva à conclusão de que é possível uma ação ser moral ou imoral, seja com reflexão nos princípios éticos ou não.
O jeitinho brasileiro
Recentemente, um debate promovido em um programa televisivo (Caldeirão do Huck) trouxe diferentes temas para a discussão sobre o jeitinho brasileiro. Michael Sandel, filósofo e professor da Universidade de Harvard, nos EUA, e especialista no tema, foi convidado e teve o conhecimento de vários assuntos do dia a dia no Brasil, como os “jeitinhos” no trânsito, desde o suborno ao aviso de blitz a um amigo, ou a utilização de acostamentos ou atalhos, quando o trânsito está parado. E o que falar de furar fila, jogar lixo no chão, ou até assuntos que vão mais além das ações rotineiras, mas temas que envolvem lucros econômicos como a pirataria ou mesmo a flutuação do mercado.
Os temas levaram à reflexão de Sandel, que declarou que o objetivo da discussão era debater os aspectos positivos deste modo de agir dos brasileiros, como a criatividade e a busca por possibilidades mesmo com a burocracia existente, mas, principalmente, alertar para os negativos, como o desrespeito ao próximo e à lei.
Sandel chegou à conclusão de que o indivíduo que faz questão de manter a casa limpa é o mesmo que joga lixo no chão. Esta percepção o próprio brasileiro também tem, e já há algum tempo. Em 2012, de acordo com a pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), 82% dos brasileiros acham que a maioria das pessoas age querendo levar vantagem sobre outro indivíduo, e apenas 16% dos entrevistados acreditam que a maioria age de forma correta. Foram entrevistadas 2 mil pessoas de 143 municípios, e os resultados mostram que mais da metade não confia em seus vizinhos e em pessoas próximas.
Em maio deste ano, em artigo da publicação “The Economist”, foi divulgada uma avaliação sobre o “jeitinho brasileiro”, que foi considerado uma marca de identidade nacional. Entretanto, no mesmo artigo é indicado que especialistas apontam que esta característica brasileira se deve à formação cristã católica que marcou a nossa colonização, uma vez que católicos seriam tentados a considerar a confissão como uma alternativa às regras e leis. Outro aspecto que estaria relacionado a este comportamento seria a mistura de raças no país. Análise no mínimo incorreta, a ética se refere a práticas e costumes que podem ou não serem desenvolvidos por religiosos ou ateus, e independente da crença e religião seguidas assim como, evidentemente, da raça e origem de cada indivíduo. Uma breve passagem pelos livros de história, especialmente no estudo de fatos ocorridos na Europa, desmonta a tese.
Quando analisamos a questão religiosa exposta, identificamos que a confissão como algo que reflete o jeitinho brasileiro não é o objetivo do catolicismo, e não são esses os ensinamentos de Jesus, cuja ética está baseada em sua vida e exemplos. Ou seja, um apontamento como o efetuado no artigo merece uma análise aprofundada sobre os ensinamentos cristãos e sobre o processo de miscigenação no país, antes que os mesmos sejam relacionados a esta identificação do modo de agir dos brasileiros ou às ações de corrupção, sejam em nosso dia a dia ou no cenário político.
Sociedade Corrupta, Governo Corrupto? E como mudar?
O cenário político tem reflexos a partir da sociedade e suas ações. O professor e historiador da Unicamp, Leandro Karnal, vê a diluição da ética na sociedade, e analisa a corrupção com alusão ao Barão de Itararé, que afirmava que “a negociata é o bom negócio para o qual não me convidaram”, ou seja, há ética quando se trata de ataque a algo que não favorece o indivíduo, mas quando o favorece, aquele é o jeitinho necessário. Esta ideia não deve ser mais tolerada em nossa sociedade.
A falta de valores éticos e a corrupção não são de hoje no país. Mas nem por isso devemos perder a esperança de que novos caminhos sejam buscados. Leandro Karnal, por exemplo, destaca que há na sociedade a vontade de um país diferente, mas afirma que a mudança tem que partir de diferentes setores da sociedade, desde a escola, passando por nossas atitudes diárias, e atingindo o governo.
Transmitir preceitos éticos, evidentemente, não é responsabilidade exclusiva das famílias, ou dos ensinamentos na escola. Os resultados vêm de ações conjuntas, e com reflexos em diferentes setores da sociedade. Por exemplo, o Papa Francisco destacou a importância da ética para o funcionamento de uma empresa e da economia, com os indivíduos e a comunidade no centro de tudo.
“A empresa e o trabalho dos seus dirigentes podem ser lugares de santificação, mediante o esforço de cada um de construir relações fraternas entre empresários, dirigentes e operários, favorecendo a corresponsabilidade e a colaboração em prol do bem comum e, sobretudo, da família”, destacou o Pontífice em outubro de 2015, ao receber representantes da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas.
Aumentar o diálogo na sociedade sobre princípios e questões éticas, por sua vez, são ações apontadas por Sandel como fundamentais. O filósofo vê possibilidade de mudança quando há o desenvolvimento de novos líderes que sejam preocupados com questões voltadas à participação e à cidadania democrática, inclusive com atuação na política.
Percebemos que é um processo que envolve diferentes pessoas, e com uma busca constante por mudanças baseadas em preceitos éticos e valores pelo bem de todos, e não para que um indivíduo leve vantagem sobre outro, ou que se baseie em valores éticos apenas quando é conveniente.
Uma sociedade da confiança passa pelo respeito ao próximo e pelo desenvolvimento em conjunto, para que sejam mudados os números como o da pesquisa apontada anteriormente, que demonstra a falta de confiança do brasileiro em seu próximo, independente do grau de relacionamento, sejam familiares, amigos, vizinhos na comunidade, empregadores, empregados, empresários, trabalhadores. Cabe a cada um de nós divulgarmos informações, debater, estimular e participar de ações para mudar essa realidade, mesmo que aos poucos e apesar dos muitos desafios à frente.