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Aline Pigozzi

Vida sacerdotal: quando os cuidadores precisam de cuidados


Stress ocupacional pode comprometer a saúde mental de padres e religiosos

Em novembro de 2016, num período de 15 dias, três padres se suicidaram em Corumbá (MS), Salvador (BA) e Contagem (MG). Esses fatos, que pareciam isolados, trouxeram à tona uma realidade pouco conhecida pela sociedade.

Segundo pesquisa realizada em 2008 pelo Isma Brasil (International Stress Management Association), a vida sacerdotal é uma das profissões mais estressantes, superando posições como policial, executivo e motorista de ônibus. No entanto, é possível comparar o sacerdócio com profissões convencionais?

Enquanto trabalhadores comuns encaram o trabalho como um importante fator social de construção de identidades, vínculos e status, sacerdotes ocupam-se em cumprir a missão de pastorear um povo. Em muitos casos, o tempo é dividido entre trabalhos pastorais, funções paroquiais e diocesanas, sem espaço para o descanso adequado.

Além de tudo, “espera-se que o padre seja, no mínimo, modelo de virtude e santidade", como afirma o psicólogo William Pereira, autor do livro Sofrimento Psíquico dos Presbíteros.

Essas múltiplas funções e cobranças explicam o alto nível de stress a que estão submetidos os presbíteros que, não raramente, podem sofrer uma série de reações, entre elas psicológicas, que levam à ansiedade generalizada, insônia, esquizofrenia e depressão.

A “doença da alma”

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que a depressão afeta 4,4% da população mundial e 5,8% dos brasileiros. Desses, aproximadamente 35% cometem suicídio e é aí que mora o perigo.

O comportamento suicida já se tornou um grave problema de saúde pública. Por isso, a OMS e a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio instituíram desde 2003 o “Dia Mundial da Prevenção do Suicídio”, celebrado em 10 de setembro. O “Setembro Amarelo”, como é conhecido, tem por objetivo a prevenção mediante adoção de estratégias governamentais.

Frente ao suicídio, o que a Igreja diz? No Catecismo da Igreja Católica está escrito: “Cada um é responsável por sua vida diante de Deus [...] Somos os administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela” (CIC § 2280).

Neste caso, os padres que cometeram suicídio foram condenados por Deus? Sobre isso, o documento esclarece: “[...] Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida” (CIC § 2283).

Exemplo disso é o relato encontrado na biografia de São João Maria Vianney. Ao celebrar a missa, o santo notou uma senhora chorando no fundo a igreja, pelo seu marido que havia se suicidado. Ele foi ao encontro dela e disse-lhe: “Pare de chorar, seu marido se salvou, está no Purgatório”. Quando ela quis saber como, o santo respondeu: “Lembra-se que, no mês de maio, você rezava a Nossa Senhora e ele, de vez em quando, rezava com você? Por isso ele foi salvo. Nossa Senhora conseguiu para ele a graça do arrependimento no último instante de vida”.

Valorizando a vida

Padre Francisco Glenio de Almeida, pároco da Paróquia São José Operário, no Campo Limpo, é um exemplo de sacerdote que escolheu se prevenir para manter uma vida mais saudável, buscando auxílio na psicoterapia.

Segundo ele, a terapia lhe ajudou a se reconhecer e a definir seus limites. “Costumo dizer que a psicoterapia me salvou de uma vida medíocre. Hoje tenho uma noção melhor de mim, consigo ser um padre melhor e consigo ajudar mais as pessoas”, declara o padre que se tornou psicoterapeuta e levou esse atendimento para a periferia de São Paulo.

O que padre Glenio fez foi cuidar do corpo, da mente e do espírito. E este é o principal caminho para a prevenção da depressão, como orienta o psicólogo clínico Eduardo Augusto Galindo, que atende religiosos há 12 anos.

“Ter uma percepção positiva de si mesmo, não se depreciar diante das dificuldades da vida e praticar atividades físicas, recreativas e culturais são fundamentais para manter uma saúde mental satisfatória”, explica.

A comunidade religiosa também desempenha

um papel importante quando motiva seu sacerdote a procurar ajuda profissional, ao perceber os sinais de que algo não está equilibrado, afirma Galindo, que é membro do Instituto Terapêutico Acolher (ITA), que acolhe padres e religiosos para o tratamento psicoterápico, em São Paulo.

Atualmente, o instituto acompanha 185 pacientes de todo o Brasil, oferecendo psicoterapia de grupo ou individual, psicodiagnóstico, orientação espiritual e assessorias às Dioceses e Congregações.

Para ser atendido, basta entrar em contato espontaneamente pelo telefone (11) 4371-0935 ou pelo site www.institutoacolher.org.br.

“O suicídio não significa necessariamente uma negação da vida, mas apenas daquela vida que está sendo vivida, portanto ele não é um beco sem saída” (Maria Ester de Freitas, professora da FGV-EAESP).


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